segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mensagem Semanal

«São Macaio deu à costa...»
Assim reza a tradicional cantiga açoreana afamada por Zeca Afonso. Com nome tão «feliz», como é que este navio veio a naufragar? Trata-se, na verdade, de uma forma simplificada de «Macário», adjectivo que, no grego antigo (antes de Cristo), só era aplicável aos seres divinos, significando que eles estão isentos de todos os cuidados humanos. Com o tempo, aplicou-se aos seres humanos, quando a situação destes fazia lembrar o bem-estar dos deuses. Estranhamente, é com este adjectivo que S. Lucas classifica os que agora se encontram em sofrimento, por oposição àqueles que parecem estar bem na vida. Quem não se sentiria em segurança, viajando num navio de nome tão promissor? O pior é que não basta ter bom nome – embora convenha muito ser bem parecido! Quando S. Lucas fala dos «macários» que choram, que têm fome, que são pobres… e dos «não macários» que são ricos, fartos, e gozam de boa vida… não estará a pensar que as coisas não são o que parecem? É que nem uns nem outros se definem pelo nome – como ninguém neste mundo. Nem há, nesta vida, «nomeações definitivas». O texto de S. Lucas é mesmo chocante: quer pelo realismo tão cru, quer pela dureza do estilo ao invectivar os «agora felizes». Aliás, esta dureza condiz tão pouco com o estilo habitual de Lucas, que há quem ponha em dúvida a autenticidade dos «ais» ameaçadores. Porém, a antítese felizes/infelizes é uma figura literária frequente em todo o Antigo Testamento e particularmente nos livros proféticos. Não se trata de modo nenhum de bênção para uns e maldição para outros (o que seria um ridículo juízo divino – o «juízo final» é que recompensa ou castiga a orientação positiva ou negativa que cada ser humano livremente tomou), mas de alerta para uns e outros: quem está mal não se deve julgar condenado e quem está bem não se deve julgar premiado. Todas as situações neste mundo servem para bem e para mal. Todos sabemos muito bem que a pobreza também leva ao crime e à guerra – mas a riqueza e poder também o fazem e de um modo muito mais planeado e sofisticado, com a lógica fria de quem pode ser o opressor e o abusador.

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