sábado, 20 de fevereiro de 2010

Mensagem Semanal

Antes só que mal acompanhado
Tinham sido um povo numeroso e bem considerado no Egipto, para onde haviam começado a migrar, por volta de 1700 a.C. Mas cedo descobriram, os descendentes de Abraão, que o paraíso de Adão e Eva foi efectivamente eliminado do cenário humano. De facto, não podemos confiar que sociedade alguma ponha o céu ao nosso alcance: cada um de nós é que é o único construtor dos alicerces de um céu «fora do alcance da ferrugem e dos ladrões» (Lucas 12,33). Quantas vezes o Antigo Testamento aponta o dedo contra a imprudente confiança do «povo escolhido» na presumida aliança com nações poderosas! Os poderosos, infelizmente, sucumbem facilmente à tentação de só quererem quem lhes preste um tributo cada vez mais pesado e frequentemente aviltante. Foram precisos 400 anos de muitos e repetidos desenganos (pois até nos habituamos a uma situação de “infelizes”…) para que os Israelitas se unissem eficazmente contra a opressão e largassem o Egipto. O seu líder era Moisés e o caminho conveniente era o deserto. Longe da riqueza do Egipto, Israelitas e Deus pareciam seguir o provérbio: «antes só que mal acompanhado». Quanta gente não sente o desejo de conhecer o deserto? E não só como experiência radical. É o lugar sonhado de plena libertação: de burocracias, guerras de poder, slogans de toda a ordem; dos horários para comer, para dormir, para trabalhar, para descansar... É a imaginação pura sobre lagos e tempestades de areia, sobre impressionantes rochedos áridos, sobre venenos escondidos, sobre “moiras de encantar”… é a imaginação livre para criar miragens e falar com elas e perder-se nelas. O deserto é a situação por excelência em que a pessoa se encontra só consigo e onde a fraqueza humana se transforma no desejo da solidez total. Os célebres «padres do deserto», e grandes figuras ao longo dos séculos, procuraram o deserto para aí poderem avaliar a autenticidade da sua força interior. O livro do Deuteronómio (palavra que significa «segunda lei», referindo-se à renovação da espiritualidade do «povo de Deus») estabelece que ao longo do ano haja dias de festa para lembrar a fidelidade do Deus libertador e fortificar a identidade histórica e cultural, contando-se às novas gerações as experiências radicais – desde uma «luta com Deus» (Génesis 32,23-33), até ser namorado por Deus durante «quarenta anos» de deserto, cheios de promessas, desquites, ameaças e perdões. «Hei-de castigá-la (à «filha de Sião», a nação eleita) por correr atrás dos seus amantes e me esquecer. É por isso que a vou seduzir, levando-a para o deserto e falando-lhe ao coração. E ela se encantará comigo como nos tempos da sua juventude, e me chamará “meu marido”» (Oseias 2, 15-18). Jesus Cristo veio-nos lembrar da necessidade deste namoro com Deus. No deserto, enfrentando todos os ventos. S. Lucas sublinha como Jesus teve que superar as normalíssimas ambições humanas de prazer, glória, riqueza e poder. Ganhou assim credibilidade: deu prova do realismo e prudência que devem acompanhar os mais incansáveis ideais; e forjou com segurança um projecto suficientemente sólido para vencer as investidas do comodismo. O Êxodo é uma narrativa em que não se descrevem factos com exactidão, mas que nos faz compreender o que é uma “joint-venture” do Homem com Deus. Mas… será que Deus é boa companhia? Manuel Alte da Veiga

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